Bento XVI morreu neste sábado, 31, aos 95 anos. Nos últimos dias, o Vaticano já havia informado que o pontífice emérito estava com a saúde frágil, por causa da idade
Fica Senhor comigo, para que ouça Tua voz e te siga. Fica Senhor comigo, pois desejo amar-te e permanecer sempre em tua companhia. Fica Senhor comigo, se queres que te seja fiel. Fica Senhor comigo, porque, por mais pobre que seja minha alma, quero que se transforme num lugar de consolação para Ti, um ninho de amor.
São João Paulo, com a tua intercessão, portege as famílias e cada vida que nasce dentro da família. Roga pelo mundo inteiro, ainda marcado por tensões, guerras e injustiças. Tu te opuseste à guerra, invocando o diálogo e semeando o amor; roga por nós, para que sejamos incansáveis semeadores de paz
MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O DIA MUNDIAL DA PAZ 2020
A PAZ COMO CAMINHO DE ESPERANÇA:
DIÁLOGO, RECONCILIAÇÃO E CONVERSÃO ECOLÓGICA
1. A paz, caminho de esperança face aos obstáculos e
provações
A paz é um bem precioso, objeto da nossa esperança; por ela
aspira toda a humanidade. Depor esperança na paz é um comportamento humano que
alberga uma tal tensão existencial, que o momento presente, às vezes até
custoso, «pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar
seguros dessa meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do
caminho»[1].
Assim, a esperança é a virtude que nos coloca a caminho, dá asas para
continuar, mesmo quando os obstáculos parecem intransponíveis.
A nossa comunidade humana traz, na memória e na carne, os
sinais das guerras e conflitos que têm vindo a suceder-se, com crescente
capacidade destruidora, afetando especialmente os mais pobres e frágeis. Há
nações inteiras que não conseguem libertar-se das cadeias de exploração e
corrupção que alimentam ódios e violências. A muitos homens e mulheres,
crianças e idosos, ainda hoje se nega a dignidade, a integridade física, a
liberdade – incluindo a liberdade religiosa –, a solidariedade comunitária, a
esperança no futuro. Inúmeras vítimas inocentes carregam sobre si o tormento da
humilhação e da exclusão, do luto e da injustiça, se não mesmo os traumas
resultantes da opressão sistemática contra o seu povo e os seus entes queridos.
As terríveis provações dos conflitos civis e dos conflitos
internacionais, agravadas muitas vezes por violências desalmadas, marcam
prolongadamente o corpo e a alma da humanidade. Na realidade, toda a guerra se
revela um fratricídio que destrói o próprio projeto de fraternidade, inscrito
na vocação da família humana.
Sabemos que, muitas vezes, a guerra começa pelo facto de não
se suportar a diversidade do outro, que fomenta o desejo de posse e a vontade
de domínio. Nasce, no coração do homem, a partir do egoísmo e do orgulho, do
ódio que induz a destruir, a dar uma imagem negativa do outro, a excluí-lo e
cancelá-lo. A guerra nutre-se com a perversão das relações, com as ambições
hegemónicas, os abusos de poder, com o medo do outro e a diferença vista como
obstáculo; e simultaneamente alimenta tudo isso.
Como fiz notar durante a recente
viagem ao Japão, é paradoxal que «o nosso mundo viva a dicotomia perversa
de querer defender e garantir a estabilidade e a paz com base numa falsa
segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por
envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer
diálogo. A paz e a estabilidade internacional são incompatíveis com qualquer
tentativa de as construir sobre o medo de mútua destruição ou sobre uma ameaça
de aniquilação total. São possíveis só a partir duma ética global de
solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência
e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã»[2].
Toda a situação de ameaça alimenta a desconfiança e a
retirada para dentro da própria condição. Desconfiança e medo aumentam a
fragilidade das relações e o risco de violência, num círculo vicioso que nunca
poderá levar a uma relação de paz. Neste sentido, a própria dissuasão nuclear
só pode criar uma segurança ilusória.
Por isso, não podemos pretender manter a estabilidade no
mundo através do medo da aniquilação, num equilíbrio muito instável, pendente
sobre o abismo nuclear e fechado dentro dos muros da indiferença, onde se tomam
decisões socioeconómicas que abrem a estrada para os dramas do descarte do
homem e da criação, em vez de nos guardarmos uns aos outros[3].
Então como construir um caminho de paz e mútuo reconhecimento? Como romper a
lógica morbosa da ameaça e do medo? Como quebrar a dinâmica de desconfiança
atualmente prevalecente?
Devemos procurar uma fraternidade real, baseada na origem
comum de Deus e vivida no diálogo e na confiança mútua. O desejo de paz está
profundamente inscrito no coração do homem e não devemos resignar-nos com nada
de menos.
2. A paz, caminho de escuta baseado na memória,
solidariedade e fraternidade
Os sobreviventes aos bombardeamentos atómicos de Hiroxima e
Nagasáqui – denominados os hibakusha – contam-se entre aqueles que,
hoje, mantêm viva a chama da consciência coletiva, testemunhando às sucessivas
gerações o horror daquilo que aconteceu em agosto de 1945 e os sofrimentos
indescritíveis que se seguiram até aos dias de hoje. Assim, o seu testemunho
aviva e preserva a memória das vítimas, para que a consciência humana se torne
cada vez mais forte contra toda a vontade de domínio e destruição. «Não podemos
permitir que as atuais e as novas gerações percam a memória do que aconteceu,
aquela memória que é garantia e estímulo para construir um futuro mais justo e
fraterno»[4].
Como eles, há muitos, em todas as partes do mundo, que
oferecem às gerações futuras o serviço imprescindível da memória, que deve ser
preservada não apenas para evitar que se voltem a cometer os mesmos erros ou se
reproponham os esquemas ilusórios do passado, mas também para que a memória,
fruto da experiência, constitua a raiz e sugira a vereda para as opções de paz
presentes e futuras.
Mais ainda, a memória é o horizonte da esperança: muitas
vezes, na escuridão das guerras e dos conflitos, a lembrança mesmo dum pequeno
gesto de solidariedade recebida pode inspirar opções corajosas e até heroicas,
pode colocar em movimento novas energias e reacender nova esperança nos
indivíduos e nas comunidades.
Abrir e traçar um caminho de paz é um desafio muito
complexo, pois os interesses em jogo, nas relações entre pessoas, comunidades e
nações, são múltiplos e contraditórios. É preciso, antes de mais nada, fazer
apelo à consciência moral e à vontade pessoal e política. Com efeito, a paz alcança-se
no mais fundo do coração humano, e a vontade política deve ser incessantemente
revigorada para abrir novos processos que reconciliem e unam pessoas e
comunidades.
O mundo não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas
convictas, artesãos da paz abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações.
De facto, só se pode chegar verdadeiramente à paz quando houver um convicto
diálogo de homens e mulheres que buscam a verdade mais além das ideologias e
das diferentes opiniões. A paz é uma construção que «deve estar constantemente
a ser edificada»[5],
um caminho que percorremos juntos procurando sempre o bem comum e
comprometendo-nos a manter a palavra dada e a respeitar o direito. Na escuta
mútua, podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de
reconhecer no inimigo o rosto dum irmão.
Por conseguinte, o processo de paz é um empenho que se
prolonga no tempo. É um trabalho paciente de busca da verdade e da justiça, que
honra a memória das vítimas e abre, passo a passo, para uma esperança comum,
mais forte que a vingança. Num Estado de direito, a democracia pode ser um
paradigma significativo deste processo, se estiver baseada na justiça e no
compromisso de tutelar os direitos de cada um, especialmente se vulnerável ou
marginalizado, na busca contínua da verdade[6].
Trata-se duma construção social em contínua elaboração, para a qual cada um
presta responsavelmente a própria contribuição, a todos os níveis da comunidade
local, nacional e mundial.
Como assinalava o Papa São Paulo VI, «a dupla
aspiração – à igualdade e à participação – procura promover um tipo de
sociedade democrática. (…). Isto, de per si, já diz bem qual a importância de
uma educação para a vida em sociedade, em que, para além da informação sobre os
direitos de cada um, seja recordado também o seu necessário correlativo: o
reconhecimento dos deveres de cada um em relação aos outros. O sentido e a prática
do dever são, por sua vez, condicionados pelo domínio de si mesmo, pela
aceitação das responsabilidades e das limitações impostas ao exercício da
liberdade do indivíduo ou do grupo»[7].
Pelo contrário, a fratura entre os membros duma sociedade, o
aumento das desigualdades sociais e a recusa de empregar os meios para um
desenvolvimento humano integral colocam em perigo a prossecução do bem comum.
Inversamente, o trabalho paciente, baseado na força da palavra e da verdade,
pode despertar nas pessoas a capacidade de compaixão e solidariedade criativa.
Na nossa experiência cristã, fazemos constantemente memória
de Cristo, que deu a sua vida pela nossa reconciliação (cf. Rm 5,
6-11). A Igreja participa plenamente na busca duma ordem justa, continuando a
servir o bem comum e a alimentar a esperança da paz, através da transmissão dos
valores cristãos, do ensinamento moral e das obras sociais e educacionais.
3. A paz, caminho de reconciliação na comunhão fraterna
A Bíblia, particularmente através da palavra dos profetas,
chama as consciências e os povos à aliança de Deus com a humanidade. Trata-se
de abandonar o desejo de dominar os outros e aprender a olhar-se mutuamente
como pessoas, como filhos de Deus, como irmãos. O outro nunca há de ser
circunscrito àquilo que pôde ter dito ou feito, mas deve ser considerado pela
promessa que traz em si mesmo. Somente escolhendo a senda do respeito é que
será possível romper a espiral da vingança e empreender o caminho da esperança.
Guia-nos a passagem do Evangelho que reproduz o seguinte
diálogo entre Pedro e Jesus: «“Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes
lhe deverei perdoar? Até sete vezes?” Jesus respondeu: “Não te digo até sete
vezes, mas até setenta vezes sete”» (Mt 18, 21-22). Este caminho de
reconciliação convida-nos a encontrar no mais fundo do nosso coração a força do
perdão e a capacidade de nos reconhecermos como irmãos e irmãs. Aprender a
viver no perdão aumenta a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens
de paz.
O que é verdade em relação à paz na esfera social, é
verdadeiro também no campo político e económico, pois a questão da paz permeia
todas as dimensões da vida comunitária: nunca haverá paz verdadeira, se não
formos capazes de construir um sistema económico mais justo. Como
escreveu Bento
XVI, «a vitória sobre o subdesenvolvimento exige que se atue não só sobre a
melhoria das transações fundadas sobre o intercâmbio, nem apenas sobre as
transferências das estruturas assistenciais de natureza pública, mas sobretudo
sobre a progressiva abertura, em contexto mundial, para formas de atividade
económica caraterizadas por quotas de gratuidade e de comunhão»[8].
4. A paz, caminho de conversão ecológica
«Se às vezes uma má compreensão dos nossos princípios nos
levou a justificar o abuso da natureza, ou o domínio despótico do ser humano
sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a violência, nós, crentes,
podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro de sabedoria que devíamos
guardar»[9].
Vendo as consequências da nossa hostilidade contra os
outros, da falta de respeito pela casa comum e da exploração abusiva dos
recursos naturais – considerados como instrumentos úteis apenas para o lucro de
hoje, sem respeito pelas comunidades locais, pelo bem comum e pela natureza –,
precisamos duma conversão ecológica.
O Sínodo recente sobre a Amazónia impele-nos a dirigir, de
forma renovada, o apelo em prol duma relação pacífica entre as comunidades e a
terra, entre o presente e a memória, entre as experiências e as esperanças.
Este caminho de reconciliação inclui também escuta e
contemplação do mundo que nos foi dado por Deus, para fazermos dele a nossa
casa comum. De facto, os recursos naturais, as numerosas formas de vida e a
própria Terra foram-nos confiados para ser «cultivados e guardados» (cf. Gn 2,
15) também para as gerações futuras, com a participação responsável e diligente
de cada um. Além disso, temos necessidade duma mudança nas convicções e na
perspetiva, que nos abra mais ao encontro com o outro e à receção do dom da
criação, que reflete a beleza e a sabedoria do seu Artífice.
De modo particular brotam daqui motivações profundas e um
novo modo de habitar na casa comum, de convivermos uns e outros com as próprias
diversidades, de celebrar e respeitar a vida recebida e partilhada, de nos
preocuparmos com condições e modelos de sociedade que favoreçam o desabrochar e
a permanência da vida no futuro, de desenvolver o bem comum de toda a família
humana.
Por conseguinte a conversão ecológica, a que apelamos,
leva-nos a uma nova perspetiva sobre a vida, considerando a generosidade do
Criador que nos deu a Terra e nos chama à jubilosa sobriedade da partilha. Esta
conversão deve ser entendida de maneira integral, como uma transformação das
relações que mantemos com as nossas irmãs e irmãos, com os outros seres vivos,
com a criação na sua riquíssima variedade, com o Criador que é origem de toda a
vida. Para o cristão, uma tal conversão exige «deixar emergir, nas relações com
o mundo que o rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus»[10].
O caminho da reconciliação requer paciência e confiança. Não
se obtém a paz, se não a esperamos.
Trata-se, antes de mais nada, de acreditar na possibilidade
da paz, de crer que o outro tem a mesma necessidade de paz que nós. Nisto,
pode-nos inspirar o amor de Deus por cada um de nós, amor libertador,
ilimitado, gratuito, incansável.
O medo é, frequentemente, fonte de conflito. Por isso, é
importante ir além dos nossos temores humanos, reconhecendo-nos filhos
necessitados diante d’Aquele que nos ama e espera por nós, como o Pai do filho
pródigo (cf. Lc 15, 11-24). A cultura do encontro entre irmãos e
irmãs rompe com a cultura da ameaça. Torna cada encontro uma possibilidade e um
dom do amor generoso de Deus. Faz-nos de guia para ultrapassarmos os limites
dos nossos horizontes estreitos, procurando sempre viver a fraternidade
universal, como filhos do único Pai celeste.
Para os discípulos de Cristo, este caminho é apoiado também
pelo sacramento da Reconciliação, concedido pelo Senhor para a remissão dos
pecados dos batizados. Este sacramento da Igreja, que renova as pessoas e as
comunidades, convida a manter o olhar fixo em Jesus, que reconciliou «todas as
coisas, pacificando pelo sangue da sua cruz, tanto as que estão na terra como
as que estão no céu» (Col 1, 20); e pede para depor toda a violência nos
pensamentos, nas palavras e nas obras quer para com o próximo quer para com a
criação.
A graça de Deus Pai oferece-se como amor sem condições.
Recebido o seu perdão, em Cristo, podemos colocar-nos a caminho para ir
oferecê-lo aos homens e mulheres do nosso tempo. Dia após dia, o Espírito Santo
sugere-nos atitudes e palavras para nos tornarmos artesãos de justiça e de paz.
Que o Deus da paz nos abençoe e venha em nossa ajuda.
Que Maria, Mãe do Príncipe da paz e Mãe de todos os povos da
terra, nos acompanhe e apoie, passo a passo, no caminho da reconciliação.
E que toda a pessoa que vem a este mundo possa conhecer uma
existência de paz e desenvolver plenamente a promessa de amor e vida que traz
em si.
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